Até que idade se deve tratar a ambliopia?

02-11-2020

Por certo a dúvida de muitos pais/adolescentes/adultos.

Se tem ou conhece alguém com ambliopia ("olho preguiçoso"), pode já ter ouvido algumas das seguintes expressões: "já não há nada a fazer", "devia ter feito o tratamento em criança", "só se consegue melhorar até aos 7 ou 10 anos"....

Pois bem, estas afirmações não estão corretas e em seguida explicamos o que nos diz a evidência científica sobre este tema.

Segundo a Academia Americana de Oftalmologia, o tratamento oportuno da ambliopia geralmente melhora a acuidade visual e a função binocular, o que diminui a probabilidade de disfunção visual severa, caso exista perda da visão no outro olho mais adiante na vida. Referem ainda que todas as crianças com ambliopia devem ser tratadas independentemente da idade.

A ideia de que a ambliopia apenas pode ser tratada até ao final do período crítico (9-10 anos, dependendo dos autores), faz com que muitas vezes a ambliopia em adolescentes e adultos não seja tratada, por se pensar que não é eficaz. No entanto, estudos recentes mostram que em alguns casos o tratamento em idades maiores (adolescentes e adultos) é eficaz, o que faz com que se coloque a questão de longa data: "existe ou não uma relação entre a idade e resposta de tratamento?"

Um dos tratamentos padrão da ambliopia consiste na utilização de uma pala/penso para ocluir o olho que apresenta uma melhor acuidade visual. Todavia, os autores Hess e Thomposon, referem que os métodos convencionais de tratamento são problemáticos por diversas razões: 

  • Promovem a recuperação monocular de visão, mas não reforçam a binocularidade 
  • Cumprimento é pobre e variável
  • E ainda acreditam que a efetividade do tratamento (oclusão) diminui com a idade.

Estes autores destacam que o local da disfunção na ambliopia se encontra no córtex visual e a grande maioria dos neurónios corticais são binoculares. Desta forma defendem que em vez de se enfatizar a utilização da oclusão - a qual pode interromper ainda mais a função binocular - seria preferível restabelecer a função binocular e a estereopsia (visão 3D).

Estes autores desenvolveram um tratamento baseado no restabelecimento da visão binocular, o qual demonstrou que indivíduos com ambliopia estrábica podem combinar informação entre os dois olhos quando se diminui a supressão através da redução do contraste apresentado ao "olho bom". Testaram esta proposta através de um jogo desenvolvido para esse efeito (jogo dicóptico), nuns óculos de realidade virtual assim como no iPad portátil. Neste jogo, verificaram que ao igualar os níveis de contraste das imagens em ambos os olhos, é percebido um estimulo com o mesmo contraste para cada olho, sendo assim possível combinar a informação entre ambos os olhos, o que indica uma diminuição da supressão.

Verificaram que com este método se obteve uma melhoria na acuidade visual monocular do olho ambliope, assim como um reforço da visão binocular e consequente estabelecimento da função estereoscópica na maioria dos pacientes.

Os resultados iniciais em adultos (idade média 40 anos) são muito promissores e satisfatórios, demonstrando que ao jogar num iPad (um jogo de estimulação binocular) ocorreu uma melhoria na acuidade visual (figura A) e na estereopsia (figura B) ao final de 4-6 semanas.


Resultados do tratamento com iPad em 9 pacientes adultos. A, a estereopsia altera em função do tratamento. B, melhoras monoculares na acuidade visual como resultado da restauração da função binocular. Os pontos por cima da linha da unidade, indicam melhoria. (Hess y Thompson, 2013)

Para além deste estudo, existem outros na literatura científica que utilizam diferentes métodos de estimulação, que reportam melhorias na acuidade visual do olho ambliope em pacientes adultos.

Estudos mais recentes demonstram assim que o sistema visual do adulto ainda apresenta algum grau de plasticidade, no entanto, inferior ao de crianças. 

Desta forma, existe evidência para afirmar que o tratamento da ambliopia para ser efectivo não necessita de coincidir com o "período crítico", muitas vezes indicado como 9-10 anos de idade.

Ainda que o tratamento da ambliopia em crianças até aos 12-13 anos de idade, apresente melhores resultados de acuidade visual, também se observam melhorias em crianças de idades superiores

Importa ainda mencionar que, a maioria dos estudos que envolve crianças e adolescentes, utiliza o tratamento convencional (isto é, a oclusão e/ou atropina), o que faz com que os resultados entre estudos sejam diferentes, devido a um fator altamente variável: a adesão.

Devido a este fator e a outras limitações no tratamento com oclusão/atropina, têm surgido formas alternativas de tratamento através de novas tecnologias, centradas especialmente em desenvolver a função binocular. Estes novos métodos de tratamento (aprendizagem perceptiva, rTMS) têm tido resultados muito positivos na acuidade visual do olho ambliope em adultos. 

Ainda que para alguns casos, a acuidade visual do olho ambliope não tenha alcançado a unidade ("100% de visão"), as melhorias foram muito boas o que, por sua vez, pode contribuir para melhorar a qualidade de vida do paciente adulto assim como a sua autoconfiança.

Assim, a ambliopia deve ser tratada independentemente da idade. No entanto, nos casos de idades maiores, há que ter em conta que é necessário um maior esforço por parte do paciente e do profissional de saúde visual, com seguimentos frequentes para monitorizar o progresso.


Em conclusão:

  1. A literatura científica indica-nos que tanto em crianças/adolescentes como adultos, o tratamento com oclusão é efectivo, mas com resultados e evoluções diferentes para cada idade. 
  2. Quando se realiza o tratamento com oclusão é importante realizar atividades de perto/longe ou algo mais estimulante como videojogos (de ação ou sem ação).
  3. O tratamento com oclusão, apenas melhora a acuidade visual do olho ambliope, não "ensinando o cérebro a ver com os dois olhos".
  4. É necessário complementar o tratamento de oclusão, com outros tratamentos que estimulem a função binocular, os quais tem demonstrado ser muito eficazes em crianças e adultos, como por exemplo os jogos dicópticos.
  5. Melhorando a binocularidade, melhora a acuidade visual no olho ambliope, com resultados mantidos no tempo, mesmo após terminar o tratamento.
  6. O tipo de tratamento utilizado não depende da idade; porém, a adesão depende, e pode ser menor em idades maiores. Por isso, é importante o trabalho do profissional de saúde em sublinhar a importância de cumprir o número de horas de oclusão aconselhado e passar a informação/esclarecimentos necessários em cada seguimento.


A idade não é um limite, pode sempre existir uma solução. Em caso de dúvida, agende a sua avaliação Ortóptica.



Referências Bibliográficas:

Wallace DK, Repka MX, Lee KA, Melia M, Christiansen SP, Morse CL, et al. Amblyopia Preferred Practice Pattern®. Am Acad Ophthalmol. 2017;125(1):P105-42.

Al-Zuhaibi S, Al-Harthi I, Cooymans P, Al-Busaidi A, Al-Farsu Y, Ganesh A. Compliance of amblyopic patients with occlusion therapy: A pilot study. Oman J Ophthalmol. 2009;2(2):67-72.

Hess RF, Mansouri B, Thompson B. A new binocular approach to the treatment of amblyopia in adults well beyond the critical period of visual development. Restor Neurol Neurosci. 2010;28(6):793-802.

Hess RF, Mansouri B, Thompson B. Restoration of Binocular Vision in Amblyopia. Strabismus. 2011;19(3):110-8.

Khan T. Is there a critical period for amblyopia therapy? Results of a study on older anisometropic amblyopes. J Clin Diagnostic Res. 2015;9(8):NC01-NC04